Quem somos
Desde 2016, o Atelier Casa4, situado na charmosa Vila do Largo, no bairro de Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro, dedica-se às artes. Em 2019, abre seu aconchegante mezzanino para reflexões em arte e filosofia, com debates orientados por pesquisadores, em oficinas e grupos de estudos oferecidos a todas, todos e todes. Em 2025, o espaço é reformado e ampliado com intuito de ter condições de abrigar seu acervo, sobretudo as mais de 30 obras da artista naïf Gloria Barbosa, em exposição permanente, e oferecer mais conforto e possibilidades ao coletivo e frequentadores.
História do Atelier
Fase 1
O Atelier Casa4 foi inaugurado em 5 de março de 2016.
Tudo começou com a artista plástica Gloria Barbosa. Que satisfação lembrar!
Depois do falecimento do seu marido, quando Gloria tinha 80 anos, ela decidiu, sem um pingo de dúvida, sair de Brasília onde moravam, e voltar para a sua cidade de origem, sempre tão querida, o Rio de Janeiro. Que contentamento para mim, Claudia Barbosa, sua filha, há tanto tempo distante de minha mãe. Tê-la de volta ao Rio, que delícia! – misto de alegria e inquietação para que tudo desse certo.
E assim foi. Minha mãe veio e, no seu novo apartamento, sente-se pronta para dedicar-se à sua arte – em pensamento assim como na ação. Estava feliz!
Foi uma produtividade incrível na arte naïf. De 2009 a 2011 produziu cerca de 50 telas maravilhosas sobre o Rio das décadas de 1930, 1940, 1950, que resultaram em várias exposições, com destaque para a do SESC Engenho de Dentro e do saudoso Museu Naif (MIAN), no Cosme Velho – que já tinha três obras da pintora Gloria Barbosa no seu acervo, escolhidas pessoalmente pelo criador do museu, Lucien Finkelstein.
Em 2012, quando eu cursava o doutorado em filosofia no IFCS/UFRJ, surgiu uma oportunidade de bolsa para estudar em Paris. Era impossível negar. Apesar de sentir e lamentar novamente nos distanciarmos, minha mãe me deu muita força para ir. A esta altura nossa identificação já era muita, pela sensibilidade, pela arte. Amigas próximas e, por acaso, mãe e filha com pouco mais de 30 anos de diferença de vida.
Viajei e de lá falávamos diariamente por Skype. Empolgação, saudade, projetos, ideias… tanta coisa que resultou na frase: “Vamos ter um atelier quando eu voltar para o Rio?… Sim!!!”
Assim, quando voltei, procuramos muito e chegamos, com a ajuda de amigas e amigos, a uma casinha na Vila do Largo, em Laranjeiras. Desenhamos o projeto arquitetônico juntas, de modo a facilitar sua prática da pintura e também a conversa sobre o seu trabalho com os visitantes. Neste momento, Gloria estava pintando cerca de 10 a 12 horas por dia!!!
Fase 2
Em 2016, inauguramos o Atelier em março, com o lançamento do livro “Memórias Contadas em Cores – um passeio pelo Rio das décadas de 1930, 40 e 50 nas telas de Gloria Barbosa”” que traz mini-contos sobre o Rio de Janeiro, a partir dos quadros de Gloria Barbosa e resultado das conversas do jornalista e escritor Henrique Koifman com ela. Um primor!
A casinha, bem pequena e muita charmosa, acolhia o cavalete de minha mãe no andar térreo onde ela pintava a vista de todos que passavam pela Vila. E também, que me permitia concentração e privacidade no mezzanino. Foram dias de muita troca e prazer!
Neste mesmo ano, acabei de escrever minha tese no próprio Atelier e a defendi em outubro. Estava desenhada a vocação do Atelier: arte e filosofia.
A partir daí, além da exposição de longa duração com suas obras no entorno da artista no próprio Atelier, Gloria fez também muitas exposições no próprio pátio da Vila, nos eventos do Vila Aberta, no Centro Cultural dos Correios, além de participar de leilões de arte e parcerias com espaços selecionados de arte como a La Vereda em Santa Teresa, que além do Atelier, era onde comercializava suas obras.
Nesta fase, o Atelier já agregava outras expressões artísticas, através das presenças de pessoas mais assíduas, como música, fotografia, teatro, poesia, e naturalmente tornava-se ponto de encontro de conversas sobre os mais diferentes temas e rodas informais com violão, cantorias, afetos e vinho. O ambiente da Vila, com a troca com outros ateliers, tornou-se estímulo adicional nos eventos coletivos ou na visita sempre calorosa dos vizinhos, das crianças da Vila e dos bichinhos que, atraídos, participavam de bate-papos, experimentos em desenho, argila, instrumentos, yôga, dança. Neste período com destaque para a Dudinha e Hashi… , que gravou um depoimento lindinho para nós certa vez (quando ainda era criança…rsrs), e trazemos aqui neste carrossel de imagens.
Vale lembrar em especial deste período a exposição “Privilégio à Palavra” que aconteceu no evento Vila Aberta, onde o Atelier foi envelopado pela poesia e o visitante era recebido com um poema de Cora Coralina plotado na vitrine e, no interior, painéis de Gloria Barbosa criados em arte naif para grandes poetas brasileiros – pinturas em versos de Castro Alves, Cora Coralina, Gonçalves Dias, Manoel de Barros e Olavo Bilac.
Eu e minha mãe ficávamos trabalhando juntas o dia todo pelo menos uma vez por semana no Atelier. Fazíamos um café da manhã, conversávamos e arrumávamos tudo para o início dos trabalhos. Em torno das 14 horas já começávamos a abrir um vinhozinho para almoçarmos e trocarmos impressões da vida, dos últimos acontecimentos, em política, arte, literatura, além de nossos projetos futuros. Após o almoço, voltávamos ao trabalho criativo, pincéis, carvão, escrita, leitura. Eram dias que nos acalentavam a alma! Jamais esquecerei estes momentos. Mesmo que me falte a memória, eles ainda estarão em mim.
A matéria de capa que saiu no caderno Zona Sul de O Globo, escrita pela jornalista Jacqueline Costa (que nos flagrou e se juntou a nós em um destes almoços semanais) foi um marco desse período! Conversas e lindas fotos (de @brunocaiuca) com registros de Gloria Barbosa e suas obras no Atelier. Adorável encontro!
Fase 3
Em 2019, somamos os amigos mais envolvidos às atividades e oficializamos o Atelier Casa 4 de Arte e Filosofia (também em ambiente virtual: instagram e facebook), onde unimos um coletivo de seis pessoas: as duas fundadoras, eu, Claudia Barbosa, e minha mãe, Gloria Barbosa, além de Andreia Tamanini, Henrique Koifman, Marcia Fixel e Pedro Roquete.
Com este grupo foram muitas conversas e fizemos o planejamento estratégico do Atelier para os anos seguintes com a intenção de reunir na casa pensamento e prática em arte, filosofia e pensamentos afins, através de grupos de estudo, oficinas, leituras, apresentações no pátio da Vila. E assim foi. O segundo semestre de 2019 foi de grande aprendizado!
Nesta fase, vale lembrar da parceria com a escola de artes cênicas da UniRio com a apresentação de um conto de Beckett no palco da Vila, seguido de debate, no interior do Atelier Casa4, com diretora, atores, pensadores e público. Houve grupos de estudo como “História e Quadrinhos”, coordenado por Darlan Montenegro e Pedro Roquete, além das oficinas de poesia, ministradas por Fábio Pessanha, e as de fotografia “Oficina Celular” de Henrique Koifman, que levaram os alunos a passear de modo atento pelo Atelier, Vila do Largo e pelo próprio entorno no bairro, aperfeiçoando o olhar e debatendo o resultado das imagens capturadas por todos. Muito bacana!
Fase 4
Mas, logo em seguida, em março de 2020, vem a pandemia que nos isola completamente. Eu e minha mãe ficamos sem poder estar juntas semanalmente no Atelier, e as jornadas de criação revigorantes tiveram que esperar. O portão da Vila é fechado e a circulação de visitantes não mais acontece.
Minha mãe ficou indignada e sentiu muito este período. Dedicou horas de seus dias a escrever sobre aquela coisa estranha que estava acontecendo, dividindo o tempo de pintura com a escrita. Neste triste período de isolamento, entretanto, Gloria Barbosa surge com novo projeto que deu sentido aos seus dias: fazer, nas telas, em arte naïf, músicas selecionadas por ela de Francisco Buarque de Holanda. Estávamos vivendo dias muito difíceis no país, com desincentivo às artes e um risco eminente de quebra democrática.
Durante a pandemia fizemos algumas atividades virtuais no Atelier, como o início dos Projetos “Que Logos Somos?” e “Escritas audiovisuais”, criados e realizados por mim e Marcia Fixel, além de um curso sobre Ética, que ministrei, tendo por base a Ética a Nicômaco de Aristóteles.
Fase 5
Após a pandemia a volta às atividades do Atelier foi gradual, mas abrimos a casa para a primeira residência de um grupo mulheres chamado “Solos Pisados”, que, a partir do Atelier (site criou performances bem interessantes, em que as atrizes percorriam o interior da casa, o corredor da Vila e o pátio, além de vídeo-artes projetadas no muro da Vila.
A volta presencial ao Atelier foi muito lenta e receosa, e já não éramos mais as mesmas pessoas. Muito do entusiasmo foi arrefecido, mas Gloria Barbosa continuava a pintar as telas das canções de Chico. Faltavam poucas para terminar. Voltamos a nos reunir no Atelier para trabalhar nas telas e preparar esta grande exposição. Gloria Barbosa escreveu uma carta de punho para Chico Buarque, acompanhada de fotos de algumas telas já finalizadas. Chico ficou encantado e mostrou-se super receptivo e amigo em uma bela mensagem de áudio à Glória que a emocionou muito. Chico reservou, de antemão, duas telas para ele e a esposa: “Construção” e “Tua cantiga”.
Em junho de 2022 a exposição aconteceu, chamou-se “Poesia e Democracia: de Gonçalves Dias a Chico Buarque”. Contou com o Coral Encanta Santa, de Santa Teresa, cantando as músicas de Chico que estavam representadas nas telas. Gloria Barbosa se posicionava, mais uma vez, naqueles tempos difíceis que estávamos passando no Brasil. Recitou Castro Alves de memória, somando à tela que retratava o Navio Negreiro. A exposição foi um sucesso. A quase totalidade dos quadros das músicas do Chico vendida. Novamente uma linda matéria do Globo anunciava a exposição e retratava a história de Gloria Barbosa e o nascimento do seu atelier. Ela estava bem feliz, mas já apresentava sinais de fraqueza, com gripes frequentes e certo desânimo. Três meses depois, Glória, minha mãe, veio a falecer em 25 de setembro de 2022, pouco mais de um mês de ter completado 93 anos de idade.